Hoje, recebi um mail, ou melhor uma troca de mails, um tipo de fórum virtual que foi criado a partir das declarações de Fred D' Orey. Pra quem não sabe, o empresário foi assaltado, sábado, na Linha Vermelha. Ele tinha acabado de chegar da África, e ia do aeroporto para casa. Junto com o carro, os bandidos levaram todos seus pertences pessoais além de material de trabalho, computador, enfim, muita coisa valiosa. Indignado, ele enviou um mail para os amigos, reivindicando uma atitude deles, dos cidadãos brasileiros. Como ele é amigo de muita gente famosa, o e-mail acabou virando notícia de jornal. Foram dois dias dedicados ao assalto a Fred D'Orey.
O fato me causa um certo desconforto. Principalmente com a imprensa que só dá ibope a reclamação de quem é famoso. Primeiro, porque, como ele mesmo diz em sua carta-protesto, o mesmo tipo de crime ocorre cerca de 80 vezes por dia na Linha Vermelha. Isto é, além dele, mais 79 pessoas passaram pelo mesmo constrangimento moral, abuso e violência. Segundo, porque crimes muito piores têm ocorrido na cidade. Basta olhar o jornal ou sair de casa. Terceiro, porque na posição de empresário de sucesso e indignado, Fred já poderia ter feito alguma coisa para mudar a situação do país que anda ruim não é de hoje. Mas, como a maioria dos brasileiros, a sua indignação chegou ao limite somente quando sofreu na pele o que milhões já sofrem diariamente.
Como diz o ditado "pimenta nos olhos dos outros é refresco". Fred parecia achar que o Brasil estava normal, tolerável, até ser assaltado na Linha Vermelha. E a imprensa, vendida, valoriza o caso como se fosse o único. Dá um espaço enorme para um assalto banal frente a tantos outros crimes que acontecem diariamente só porque o cara é conhecido. Será que até pra reivindicar algo no Brasil é preciso ser famoso? Então, é fácil. Vou pegar meu mailing com o nome de todos os artistas da Rede Globo e mandar um mail em protesto contando que meu carro foi arrombado em pleno Leblon, às 12h, pra ver se alguém faz alguma coisa por mim.
De forma alguma sou contra a atitude de protestar e chamar a atenção das pessoas. Ele tem todo o direito de fazê-lo e acho que pelo visto está colhendo bons frutos. Pelo menos sacudiu a cabeça de alguns. Concordo, inclusive, com todas as suas queixas. E sei que sua intenção nem era sair do jornal, já que ele mandou uma mensagem apenas para os amigos. O que me chama a atenção é seu tempo/limite. Tanta gente morrendo em chacinas, com tiros perdidos, seqüestros relâmpagos, em ônibus queimados, e só agora, quando ele é a vítima, a situação do país o amedronta? Desse jeito, todos os intelectuais, artistas e formadores de opinião terão que sofrer algum atentado pra que as coisas mudem. "O cerco está se fechando", diz ele. Eu também acho, só que ao meu ver já se fechou há muito tempo. E não porque os ricos andam sendo assaltados em plena Zona Sul a luz do dia. Mas porque, há décadas, existe uma esmagadora maioria vivendo na miséria.
Não é a primeira vez que digo isso aqui. E provavelmente não será a última. O brasileiro já esqueceu há muito tempo o que é viver em sociedade, o que é brigar por direitos iguais, lutar por um bem comum. Há muito tempo que somos cada um por si. E esta indignação do Fred vem provar porque o Brasil não vai pra frente: porque a gente precisa primeiro experimentar a dor para depois tentar agir. E quando pensamos em agir, não sabemos como nem o que fazer. E então, mais uma vez o discurso vira demagogia. Será que teremos que esperar todos os supermercados da Zona Sul serem saqueados, os prédios serem invadidos para que toda a população se dê conta que o problema é grave e é de todos? O egoísmo é o maior inimigo da sociedade. Por isso estamos como estamos.
Claro que há sempre um ponto de partida. Quem sabe agora que os famosos ficaram tão ofendidos a gente encontre alguma solução. Quem sabe depois dessa, até milagres aconteçam, e o Roberto Marinho, sensibilizado, ressuscite em nome da classe pra se candidatar a presidente da República! Aleluia Senhor!