Molhando as Palavras

Blog de curiosidades, opinião, crônicas e afins.

segunda-feira, março 26, 2007

A alma imoral

Recentemente, escrevi um texto sobre a natureza humana questionando se nascemos maus ou bons. Em um dos comentários surgiu uma nova alternativa. Na verdade, não nasceríamos nem um nem outro. Nasceríamos amorais. Mas, depois de assistir a peça “Alma Imoral” cheguei à conclusão que os homens nascem e são pelo resto da vida as duas coisas: bons e maus, corretos e incorretos, puros e pecadores. E, ao contrário do que acreditava, não são os prazeres do corpo que nos corrompe, mas os desejos da alma. É ela que nos impulsiona para a vida enquanto o corpo tenta defender-se de todas as maneiras por questão de sobrevivência.
O texto diz “Um homem só é homem quando se sabe homem. Um homem que não se sabe homem é macaco, cavalo, cobra”. Isto é, a consciência nos faz humanos. E é ela que luta constantemente contra a imoralidade da alma. Somos pecadores por natureza. A história de Adão e Eva já nos diz. Fomos expulsos do paraíso porque sucumbimos aos encantos da serpente. E foi exatamente neste momento que o homem se tornou humano. Quando ele toma consciência dos seus desejos e perversões. Quando ele desobedece às leis e cria uma nova verdade.
A partir de então, certo e errado passam a ser faces da mesma moeda, que podem convergir num mesmo objetivo. Muitas vezes o que consideramos conscientemente correto pode tornar-se um erro fatal para a alma. É preciso olhar com coragem para si e descobrir que verdade se esconde por trás do que nos é imposto. Indagar-se: é preferível seguir as regras para não tornar-se publicamente um traidor ou desacatar em prol de uma busca íntima e pessoal? A alma é traidora por natureza. Não somos traidores porque o corpo material o quer.
Quando um homem casado deseja uma outra mulher (e vice-versa) ele é um traidor. Mas isso não o torna um pecador. O torna homem. Fomos criados com a simples função de nos reproduzir e é sob o mandamento "multiplicai-vos" que seguimos no mundo. A monogamia é possível, mas para isso este acordo entre homem e mulher deve ser refeito constantemente. É um contrato que requer mudanças, pois estamos sempre em busca do novo. Ao contrário, viverá eternamente sob a luz da hipocrisia.
O maior traidor não é aquele que trai o outro. É o que trai a si mesmo. É aquele que vive em nome da tradição quando o futuro pede pela traição. Lançar-se ao desconhecido, aventurar-se em nossos conflitos, aceitá-los com honestidade é mais correto do que viver à sombra do cinismo por pura convenção moral. Seguir as regras pode parecer coerente, mas desafiá-las pode ser o caminho mais leal para a verdadeira felicidade.

segunda-feira, março 12, 2007

Dia Internacional da mulher

Semana passada foi comemorado o Dia Internacional da Mulher. E como sou uma delas, não poderia deixar de falar sobre algumas de suas conquistas. Mal ou bem, os homens não tiveram tanto pelo que lutar. Já nasceram com todos os seus direitos estabelecidos: o do trabalho, do voto, da liberdade sexual, etc. Nós, não. Foi preciso muita luta e mudanças constitucionais para que nossos direitos fossem resguardados legitimamente. Um deles, o voto, completa 75 anos agora. Até 1932, aos olhos da lei, a mulher não era cidadã. E até hoje ainda sofremos preconceito. Apesar do tempo que se passou a batalha continua e se pararmos pra analisar o avanço da participação feminina na esfera pública pode ser que não tenhamos tanto o que comemorar.
A idéia do sexo frágil, incapaz de realizar atividades que exijam raciocínio e habilidade, já não é preponderante, mas, ainda hoje, há quem resista receber ordens de uma mulher. A cultura nos acostumou a enxergar o feminino como algo inferior no mundo do trabalho, com exceção das tarefas domésticas, claro. Os números comprovam a inferiodade feminina. Segundo matéria publicada na Folha de São Paulo 70% das pessoas mais pobres do mundo são mulheres. Nós produzimos metade dos alimentos, mas menos de 2% da classe feminina são proprietárias de terra. As mulheres respondem por 2/3 das horas trabalhadas, mas recebem apenas 10% da renda. Entre 1996 e 2006 a taxa de desemprego feminino oscilou de 6,1% para 6,6%, o que significa um aumento de 1,5 milhão de desempregadas mundialmente. Um estudo concluiu que as mulheres ganham no máximo 90% do salário dos seus equivalentes masculinos em determinados setores. Em profissões de alto nível, o salário feminino corresponde a 88,8% do masculino. Para completar o quadro, 2/3 dos 800 milhões de adultos analfabetos são mulheres.
O preconceito e a dificuldade do sexo feminino de garantir seus direitos também se reflete na política. A representação feminina nas câmaras e no senado é muito aquém do esperado e atualmente há um medo real de que em pouco tempo não haja qualquer representante feminina no Congresso. Por lei os partidos são obrigados a reservar uma cota de 30% para candidatas. Mesmo assim são poucos os que cumprem, sem qualquer tipo de punição pela falta.
A importância de se ter mulheres no poder é a garantia de que teremos alguém olhando por nossas causas. Direito à creches e pré-escola, licença maternidade, direito ao divórcio, entre outros, foram conquistas que não caíram do céu. Pelo contrário. Foram adquiridas graças à representação feminina no governo. Questões até hoje debatidas como a liberação do aborto, projeto de lei da Jandira Feghali, campanhas contra a violência doméstica, de Roseana Sarney, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis considerada urgente pela deputada Perpetua Almeida, só estão em pauta porque existem mulheres lá para lutar por isso. Pena que esta participação esteja estagnada. Segundo pesquisas, o sexo feminino representa menos de 10% do total de políticos nas duas Casas. Do ano passado pra cá, apenas mais três mulheres se elegeram deputadas, aumentando o número de 42 para 45 cadeiras femininas. Um retrocesso imperdoável após tantos anos de luta.
No entanto, não podemos negar que há outros indicadores positivos sobre a situação atual das mulheres. É com maior freqüência que as vemos ocupando cargos de direção e em profissões antes reservadas aos homens. Sem contar o avanço da liberdade sexual. Por isso, acho justa a homenagem a nós. É por todo o esforço de se impor e ter conquistado seu espaço numa sociedade patriarcal que temos um dia em nossa homenagem. Não só para comemorar as conquistas (ainda que poucas, mas importantes), mas também para lembrarmos das dezenas de heroínas que se foram e de tantas outras espalhadas por esses “Brasis” a fora.

segunda-feira, março 05, 2007

A matemática do amor


O casamento do século XXI já vem com uma planilha de Excel embaixo do braço. São tantos os planos, economias e cálculos necessários para que a união de um casal aconteça que muitas vezes ela se torna inviável. O mundo contemporâneo nos encheu de gastos. A era da tecnologia trouxe a conta do celular, da TV a cabo, dos aparelhos eletrônicos, da internet. A era do trabalho e da independência financeira trouxe a falta de tempo para o lar e, com isso, a necessidade de uma m.d.o que substitua a sua ausência. Filhos só com babá ou enfermeira. Mesmo nos fins de semana, afinal é o dia do descanso. Depois que completou um ano, ainda tem que ter o dinheiro da creche. Faxina e comida na geladeira só se tiver empregada. Sem contar a era do lazer. São tantas as opções que não se pode faltar no orçamento uma quantia generosa para a diversão (quem não gosta de um belo jantar no restaurante do momento?).
Nos tempos de nossos avós a vida era bem mais fácil. Por isso, as famílias eram maiores. As mulheres ainda cuidavam da casa, os maridos iam do trabalho pra cama e dificilmente esticavam a noite depois da labuta. Diversão era a família. Ir à praia, ao parque, ao cinema. Ou porque não ficar em casa? Atualmente, são tantos os atrativos fora do lar que ninguém consegue passar o dia lendo no sofá. E quando resolve ir pra rua é com a certeza de que "dinheiro na mão é vendaval". Consumo, consumo, consumo. È a marca da nossa era.
Os filhos foram substituídos pelos artigos acima citados. Não dá pra ter a qualquer hora. É preciso muita estabilidade para colocar uma criança no mundo. Até porque todos querem ter o melhor carrinho, as melhores roupas, a mamadeira importada, a chupeta antialérgica (nem sei se existe, mas vocês estão entendendo onde quero chegar), a melhor fralda (alguém inventou que é a Pampers e todas as mães acreditaram), e sei lá mais o quê. Se não for assim é muita raça!!! Já foi o tempo em que a mãe cuidava de quatro ao mesmo tempo, sem ajuda de ninguém e ainda tinha que lavar fraldas de pano.
Já foi o tempo também que casamento significava incondicionalmente compartilhar. Os relacionamentos de hoje prezam acima de tudo pela liberdade/individualidade. Se tiver um banheiro pra cada um, excelente. Duas TVS, dois dvds, e quem sabe um quartinho extra pra dar uma aliviada de vez em quando. A única coisa que os casais não deixam de dividir são as contas. Questão de sobrevivência.
Há quem aposte no fim do casamento tal qual conhecemos hoje. Cresce o número de adeptos pela união à distância, ou seja, somos casados, mas cada um no seu canto, no seu lar. Eu, particularmente, prefiro à moda antiga. Casamento é casamento. É aprender a dividir, renunciar e construir juntos. Pode até ser que dê certo, porém deixa de ser casamento. De fato, o homem contemporâneo é bem diferente do de outrora. Tenho a impressão de que ele desaprendeu a dividir. Ou simplesmente, em nome desta cobiçada liberdade, tenha optado deliberadamente por ser mais egoísta, mais self e, conseqüentemente, mais só.

quinta-feira, março 01, 2007

Educação começa em casa

Dizem que o mal de toda a família é que a gente não escolhe, já vem com ela. Todas têm problemas e dificilmente você encontrará uma perfeita. Não existe relação familiar sem conflitos. Mas, mesmo assim, é no núcleo familiar que encontramos nossas referências. A família está em primeiro lugar. Antes dos amigos, da escola. É a educação adquirida em casa que forma predominantemente o nosso caráter. Em “Pro dia nascer feliz”, documentário de João Jardim, o debate é focado nas escolas brasileiras. Mas, o que temos ali é muito mais. Através dos depoimentos de alunos e professores, João Jardim traça não só o cenário das instituições de ensino, como também o perfil do jovem brasileiro que chega às escolas. Infelizmente, a grande maioria dos jovens está carente. São frutos de relações falidas ou de pais ausentes.

A família do século XXI é bem diferente das de nossos pais. Os vínculos se afrouxaram. Os casamentos acabam cada vez mais rápido e a pressão econômica não deixa tempo para uma relação de qualidade entre pais e filhos. Em quase todos os depoimentos os pais são citados, seja pela falta ou pela importância de suas opiniões. Mais de um jovem afirma sentir falta do carinho da família. A falta de um beijo, de um abraço. E se ele não tem nem isso, imaginem uma boa conversa.
Outra aluna diz que é brigada com o pai porque não gosta da madrasta. A mãe já morreu. E ele, ao invés de trazer a filha pra perto, se afastou e ficou com a mulher. Hoje, essa menina de apenas 20 anos, moradora da periferia de São Paulo, já tem um filho. E aí eu me pergunto: que tipo de educação essa criança terá?

Em outro depoimento, uma menina de classe rica, estudante de um dos melhores colégios paulistas, diz que suas preocupações são muito complexas. Tem medo da morte, do que vem depois dela e do que pode acontecer com sua vida. A menina se diz cheia de perguntas e cercada de pessoas incapazes de respondê-las. Chegou a ficar deprimida, quase repetiu de ano, porque descobriu que, apesar de estudar em um colégio católico, seu pai não acreditava nos preceitos da Igreja. E ela tinha certeza absoluta que sim. Quando soube que não, a adolescente diz que tudo caiu por terra. Que os valores que ela seguia, os mesmos que ela achava ser os do pai, perderam o sentido. E ela ficou decepcionada com a própria existência. O filme mostra o antes e depois da crise, que ela diz ter superado com a ajuda de uma professora de filosofia. “Graças a Deus eu descobri que existia alguém no mundo igual a mim”, desabafa. No segundo momento da entrevista, a adolescente está á espera do resultado final das provas. Quando sai, e ela enfim tem a boa notícia que passou de ano, a primeira coisa que faz é ligar para o pai e dar a notícia. O que só afirma a forte relação entre eles. A eterna busca pela afirmação paterna.

Nas escolas das periferias a marca da adolescência é a violência. Uma das professoras diz “a escola não é diferente do mundo”. Isto é, o que eles vêem lá fora, também acontece lá dentro. Alguns já assistiram seus parentes morrer. Outros estudam para no futuro poder ajudar a família. Outros não conseguem estudar porque precisam trabalhar e colocar dinheiro em casa. E todo este estado de carência, seja de afeto ou condições de vida, se refletem no comportamento dentro de sala. Professores agredidos e desestimulados. Alunos violentos e desestimulados. Para a maioria desses jovens que convive diariamente com a violência é com ela que se resolve os problemas.

Atualmente, muitos adolescentes estão crescendo quase por conta própria. Buscam mais ajuda fora de casa do que dentro dela. Na mídia, na internet, no bate-papo entre amigos. Não por opção, mas por falta dela. Nesse turbilhão de informações que nos cerca, parece que tem faltado o essencial: diálogo. Um filho não deve ter que reivindicar carinho e atenção. Os pais é que lhe devem isso naturalmente. Mas, hoje, eles estão crescendo com pouco. E o muito que falta a escola dificilmente será capaz de dar. Não do jeito que eles realmente desejam.