Molhando as Palavras

Blog de curiosidades, opinião, crônicas e afins.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Carnaval: uma história milenar

Passada a folia do carnaval, estou de volta ao batente, de frente para o computador, sentindo nas costas o peso da responsabilidade. Não só dos afazeres diários, mas de todos os projetos e metas a serem cumpridos em 2007. Agora sim, como sempre, podemos dizer que o ano começou. Daqui em diante, o tempo passa como vento, e quando menos esperamos já é carnaval de novo. Hora de esquecer as agruras, meter o pé na jaca e esperar a quarta-feira de cinzas sem ao menos lembrar-se que Jesus Cristo um dia existiu(com exceção dos católicos). Para alguns, o carnaval é pura alienação. Por isso, teve muita gente querendo abolir a festa em protesto à última grande tragédia da cidade. Sinceramente, concordo com o luto, mas querer acabar com o carnaval acho um pouco demais.
O carnaval não é uma festa pura e simples. É um ritual milenar, criado pelo povo, que tem suas origens na mitologia, anterior à era Cristã. Dizer que se trata apenas de mulatas e oba-oba é ignorar séculos de tradição. Sua história começa no princípio da nossa civilização. Tem origem no Egito com os rituais e as celebrações de fertilidade e da colheita, às margens do Nilo, há seis mil anos atrás. Na Roma Antiga, bacanais, saturnais e lupercais festejavam os Deuses Baco, Saturno e Pã. Durante os festejos Saturnais, escravos eram alforriados, pessoas saíam às ruas para dançar, e na abertura das festas, carros semelhantes a navios saíam na "avenida" com homens e mulheres nus. Estes eram chamados carrum navalis, possível origem da expressão carnevale.
No início da era Cristã, começaram a surgir os primeiros sinais de censura aos festejos mundanos realizados com cada vez mais freqüência. Querendo impor uma política de austeridade, a Igreja Católica determinava que esses festejos só deveriam ser realizados antes da Quaresma, período de quarenta dias que antecede a ressurreição de Cristo(Páscoa), iniciado na quarta-feira de cinzas. O sexo foi abolido e a comemoração passou a ter outra estética com a introdução dos bailes de máscaras, das corridas, dos desfiles e das fantasias.
No Brasil, o carnaval chegou sob a influência de Portugal e das festas européias, por volta do século XVII. Assim como lá, era chamado de Entrudo - isto é, introdução à Quaresma. No final do século XIX, começam a aparecer os primeiros blocos carnavalescos, os cordões e os famosos "corsos". Os foliões se fantasiavam, decoravam seus carros e, em grupos, desfilavam pelas ruas das cidades (aí a origem dos carros alegóricos, típicos das escolas de samba atuais). No século XX, o carnaval foi crescendo e tornando-se cada vez mais popular, principalmente com a ajuda das marchinhas, essas que cantamos até hoje.
E assim, o ritual se repete em todas as partes do país, não deixando morrer suas tradições originais. Principalmente no Nordeste, essas origens estão preservadas com o frevo e o maracatu, de Recife, e com os grupos típicos de Salvador, Olodum e Ileyaê. Aqui, apesar do business que a Sapucaí se tornou, é o samba que está representado. Uma das poucas vezes que o mundo olha para as favelas sem pena, mas com orgulho. São quatro dias em que a felicidade reina. O que não significa ignorar os problemas. Eles permanecem, mas são "esquecidos" momentaneamente. Afinal, todos têm o direito de se divertir. E um pouco de alegria não faz mal a ninguém. Feliz 2007!

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Violência urbana: um problema social

Os acontecimentos dos últimos dias, ou melhor, do último século, seja aqui, em Bogotá ou no Iraque, vem desmistificando uma crença que conservei durante toda a vida. A de que “o homem nasce bom e a sociedade o corrompe”. Este pensamento iluminista, difundido por Rosseau, serve até hoje para defender as causas populares e a luta pela igualdade dos direitos. No entanto, atualmente eu me atrevo sem medo a inverter os fatores desse ideário romântico e dizer que "o homem nasce mau e que cabe à sociedade ou perdê-lo de vez, confirmando seus instintos, ou redimi-lo do mal congênito através da ação prática, organizada e sistemática das instituições sobre as quais estão calcados a liberdade e os direitos e obrigações do indivíduo em sociedade"(Carlos Vogt).
Quando falamos em instintos, estamos nos referindo ao que o homem guarda na sua essência. Características com as quais ele nasce e provavelmente com elas morrerá. A “crueldade” faz parte destes instintos. O que nos permite viver em sociedade sem agredir uns aos outros são as regras de conduta apreendidas culturalmente. São os moldes que a civilização impõe. O homem não nasce puro como um anjo. Ao contrário. Nasce com todas as suas ambigüidades e conflitos. Ao longo do tempo vai sendo castrado e gradativamente torna-se apto a controlá-los. Desde criança o homem é educado a acreditar que o mal é pecado, que ferir ao próximo é pecado, que transgredir regras é errado, e por aí vai (aí entram os preceitos da Igreja Católica). O que de forma alguma exclui os “maus sentimentos”. Eles ficam apenas oprimidos e escondidos no íntimo de cada um.
Levando para uma análise psicanalítica do assunto, Freud diz que as crianças nascem com todos os seus desejos à flor da pele. É nos bebês que encontramos a libido na sua mais alta voltagem. A criança não conhece os limites. Não sabe o que é considerado certo e errado. Ela sente. Ela faz. Enquanto a sociedade vai impondo a elas as condições. Basta pensarmos porque brigamos tanto quando crianças. Sejam meninas ou meninos não há quem nunca tenha tido uma briga séria com um irmão ou amigo. Isto porque ainda não aprendemos as regras. Ainda não temos a noção exata de que bater no outro, demonstrar a raiva seja algo errado.
Os homens já foram bárbaros. Já foram canibais. Já mataram e comeram uns aos outros. Foi em seu processo evolutivo que ele adquiriu a noção de civilidade. Noção esta que está diretamente ligada à construção das cidades. Teoricamente formadas com a função de nos proteger.
Mas o que acontece quando o homem se sente excluído desta cidade? Quando ele percebe que não faz parte desta sociedade? Quando ele percebe que o que foi criado para protegê-lo e educá-lo não está cumprindo a sua função? Sabe o quê? Exatamente todos estes crimes que estamos assistindo agora. Como valorizar a vida do outro se a sua é totalmente descartável? Como pensar em certo e errado se a educação nunca chegou até ele? Como reprimir instintos se não há quem coloque limites? O problema da violência urbana não é falta de segurança. É falta de ética. O problema da violência urbana não é falta de armas, de exército, de polícia. É um problema social.

Não se pode cobrar de alguém que está excluído da sociedade uma postura igual àqueles que estão inseridos nela. Pensando ao contrário, o criminoso não se sente na obrigação de seguir as leis da cidade se ele não se sente parte dela. E se a cidade não cumpre o seu papel, com rigor e competência, o homem retorna à barbárie. Retorna aos seus instintos de sobrevivência, que tem justamente na impunidade o seu maior alicerce.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Vidas cruzadas

Muitas vezes, tudo o que mais queremos é ter controle sobre o futuro. Saber o que vai acontecer amanhã e assim se preparar para o destino. Porém, esta é uma tarefa impossível. O máximo que podemos prever é que toda ação pressupõe uma reação. Isto é, a gente colhe o que planta. Sem cair no piegas é mais ou menos isso: quem semeia vento colhe vento. Quem semeia tempestade colhe tempestade, e por aí vai. Mas assistindo ao filme “Mais estranho que a ficção” (está em cartaz e vale muito a pena ver), fiquei me questionando até que ponto somos capazes de escrever nossa própria história. Será que realmente temos “controle” sobre ela? Somos nós que escolhemos nossos caminhos ou há algo maior que nos leva? E mais, até que ponto nossas ações interferem na vida dos outros?
A teoria do Efeito Borboleta (parte da Teoria do Caos) é mais ou menos isso. Diz que o bater de asas de uma simples borboleta pode influenciar o curso natural das coisas e, talvez, provocar um tufão do outro lado do mundo. A fim de evitar este tipo de catástrofe os matemáticos desenvolveram fórmulas para prever o acaso e diminuir as possibilidades de situações caóticas. Na vida isso também ocorre. Nossas ações são capazes de transformar não só nosso próprio caminho como provocar desvios a terceiros. E para que os danos sejam os menores possíveis tentamos ao máximo analisar as escolhas, de forma a acreditar termos feito a melhor delas.
Basta pensar numa simples situação. Todos os dias eu pego meu carro e vou para o trabalho às 9h. Um dia, por acaso, resolvo sair mais cedo. Esse é justamente o horário que Henrique está indo para o colégio. Ele vai todos os dias a pé, acompanhado da empregada. Um carro perde o controle, atropela Henrique, e vai embora sem prestar socorro. Diante da cena, paro imediatamente e levo o menino para o hospital. Lá, conheço o pai de Henrique, Otavio, e nós ficamos amigos. Da amizade vem o flerte. Do flerte o namoro, casamento e filhos. Otavio, que era viúvo e não se relacionava com ninguém desde a morte da mulher, de repente se vê com uma nova família. E assim, por uma fatalidade do destino e por uma questão moral (outra pessoa no meu lugar poderia ter passado sem socorrê-lo), eu, Fernanda, interferi na vida de alguém que não conhecia. A partir daí, nossas rotinas mudam completamente. Assim como de todas as pessoas que convivem conosco. Ou seja, o encontro acarretou transformações que vão além do efeito imediato.
São muitas as possibilidades de “conseqüências” que nossas ações podem trazer sem talvez nos darmos conta das dimensões delas. Nesse caso, a gente nunca escreve nossa história sozinho. Há sempre coadjuvantes que nos levam ao destino, seja ele qual for. Pessoas que entram em nossa vida (ou já fazem parte) e de repente mudam o rumo que pensávamos dar a ela.
Agora, se somos capazes de tal poder em apenas um encontro, imagine com aqueles que convivemos todos os dias? Nossas ações certamente influenciam o caminhar delas. Pessoas que seguem nossos conselhos ou que se espelham em nós. Pessoas que às vezes magoamos, que introduzimos experiências novas (sejam elas boas ou ruins, que ajudamos a chegar a um objetivo, enfim, somos sempre sujeitos de uma ação que terá um resultado. Existem ainda as ações que nem sempre fazemos diretamente para o outro ou com o outro. Muitas vezes, quando tomamos decisões que diz respeito somente a nós, podemos gerar mudanças para todo o resto. É um quebra-cabeça interminável. E pra completar o nosso, às vezes temos que “roubar” peças alheias.
Ninguém está só no mundo. Fazemos parte de um mesmo planeta, uma mesma sociedade, mesmo bairro, mesmo grupo de amigos, mesma família, enfim, sempre terá um alguém em contato. Por isso, é preciso se dar conta do poder de nossas ações. Nós somos capazes, sim, de mudar uma história. De refazer caminhos, descobrir outros novos, e assim, traçar um recomeço. A única coisa que não somos capazes é de mudar o final. Porque esse é igual pra todos. O que nos diferencia é como e quando. E isso, felizmente, é o grande mistério que torna o ato de viver tão especial
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