Molhando as Palavras

Blog de curiosidades, opinião, crônicas e afins.

quarta-feira, fevereiro 14, 2007

Violência urbana: um problema social

Os acontecimentos dos últimos dias, ou melhor, do último século, seja aqui, em Bogotá ou no Iraque, vem desmistificando uma crença que conservei durante toda a vida. A de que “o homem nasce bom e a sociedade o corrompe”. Este pensamento iluminista, difundido por Rosseau, serve até hoje para defender as causas populares e a luta pela igualdade dos direitos. No entanto, atualmente eu me atrevo sem medo a inverter os fatores desse ideário romântico e dizer que "o homem nasce mau e que cabe à sociedade ou perdê-lo de vez, confirmando seus instintos, ou redimi-lo do mal congênito através da ação prática, organizada e sistemática das instituições sobre as quais estão calcados a liberdade e os direitos e obrigações do indivíduo em sociedade"(Carlos Vogt).
Quando falamos em instintos, estamos nos referindo ao que o homem guarda na sua essência. Características com as quais ele nasce e provavelmente com elas morrerá. A “crueldade” faz parte destes instintos. O que nos permite viver em sociedade sem agredir uns aos outros são as regras de conduta apreendidas culturalmente. São os moldes que a civilização impõe. O homem não nasce puro como um anjo. Ao contrário. Nasce com todas as suas ambigüidades e conflitos. Ao longo do tempo vai sendo castrado e gradativamente torna-se apto a controlá-los. Desde criança o homem é educado a acreditar que o mal é pecado, que ferir ao próximo é pecado, que transgredir regras é errado, e por aí vai (aí entram os preceitos da Igreja Católica). O que de forma alguma exclui os “maus sentimentos”. Eles ficam apenas oprimidos e escondidos no íntimo de cada um.
Levando para uma análise psicanalítica do assunto, Freud diz que as crianças nascem com todos os seus desejos à flor da pele. É nos bebês que encontramos a libido na sua mais alta voltagem. A criança não conhece os limites. Não sabe o que é considerado certo e errado. Ela sente. Ela faz. Enquanto a sociedade vai impondo a elas as condições. Basta pensarmos porque brigamos tanto quando crianças. Sejam meninas ou meninos não há quem nunca tenha tido uma briga séria com um irmão ou amigo. Isto porque ainda não aprendemos as regras. Ainda não temos a noção exata de que bater no outro, demonstrar a raiva seja algo errado.
Os homens já foram bárbaros. Já foram canibais. Já mataram e comeram uns aos outros. Foi em seu processo evolutivo que ele adquiriu a noção de civilidade. Noção esta que está diretamente ligada à construção das cidades. Teoricamente formadas com a função de nos proteger.
Mas o que acontece quando o homem se sente excluído desta cidade? Quando ele percebe que não faz parte desta sociedade? Quando ele percebe que o que foi criado para protegê-lo e educá-lo não está cumprindo a sua função? Sabe o quê? Exatamente todos estes crimes que estamos assistindo agora. Como valorizar a vida do outro se a sua é totalmente descartável? Como pensar em certo e errado se a educação nunca chegou até ele? Como reprimir instintos se não há quem coloque limites? O problema da violência urbana não é falta de segurança. É falta de ética. O problema da violência urbana não é falta de armas, de exército, de polícia. É um problema social.

Não se pode cobrar de alguém que está excluído da sociedade uma postura igual àqueles que estão inseridos nela. Pensando ao contrário, o criminoso não se sente na obrigação de seguir as leis da cidade se ele não se sente parte dela. E se a cidade não cumpre o seu papel, com rigor e competência, o homem retorna à barbárie. Retorna aos seus instintos de sobrevivência, que tem justamente na impunidade o seu maior alicerce.

12 Comments:

  • At 2:53 PM, Anonymous Anônimo said…

    Nandalinda,
    Nesse momento de revolta nacional, eu como uma arquiteta urbanista, que penso a cidade, como mãe educadora que zelo pelos meus filhos, profissional empreendedora, que pago salário aos meu empregados. Cumprindo com as obrigações, com meus deveres como cidadã, fico feliz em ler suas palavras e me fortaleço cada vez mais. A conclusão é que estou no caminho certo. Que a minha família é modelo de responsabilidade social. Que estamos plantando agora para formar líderes no futuro.
    Por que a elite intelectual vai salvar este país.
    Deveríamos dizer em Rede Nacional:
    Leiam sobre a ética, leiam sobre a compaixão.
    beijoca

     
  • At 3:41 PM, Anonymous Anônimo said…

    Oi Nanda,
    Belo artigo. Interessante o ponto de vista do Carlos Vogt como um contra ponto de Rosseau. Confesso que sempre acreditei na teoria de Rosseau e que o seu texto me fará refletir sobre o tema. Para falar a verdade não acredito que o homem nem nasce bom nem mal, ele nasce com virtudes e defeitos, com suas indiocrasias que fazem de cada um único. Até que ponto a sociedade consegue transformar as pessoas ? Até que ponto ela é responsável para a violência e a volta a barbarie que estamos assistindo ? Com certeza ela tem papel fundamental. Deve ser foda estar na linha da miséria(ou pobreza) e ver todo esse luxo do outro lado. Deve revoltar. Mas até que ponto essa revolta é admissível? Até que ponto a reação é do tamanho da ação? Esse assunto vale muito debate, sem posições dogmáticas. Quanto a nossa amiga arquiteta do primeiro comentário, gostaria de ter o otimismo dela em relação a elite intelctual... Quando vejo várias pessoas do nosso meio tão desinformadas, escrevendo incrivelmente mal, lendo apenas manchete de jornal...
    Bjos,

    Rafa

     
  • At 7:38 PM, Anonymous Anônimo said…

    Infelizmente chegamos ao extremo no qual sermos modelos de cidadãos já não é suficiente. Precisamos fazer algo mais. O que? Como? Tb não sei, mas debates como estes pode ser um bom caminho para discutir soluções, e, principalmente, ações. Somos nós, da suposta elite intelectual, que temos o poder de mudanças nas mãos, se soubermos usa-lo... O meu irmão está criando uma "comoção" entre os amigos para que, passado o carnaval, eles se unam para pensarem em alguma ação conjunta. Se alguém aqui do blog tiver interesse em participar, por favor, entrem em contato, me passem os seus emails. Recebi as respostas, vários estão aderindo e percebo que realmente querem encontrar alguma forma de agir. Vamos colocar em prática toda a educação que tivemos acesso ao longo da vida. Se a nossa geração buscava alguma grande causa para pensar, discutir e lutar, chegou a hora! Que o carnaval consiga fantasiar momentaneamente as nossas angustias e frustrações pelos últimos acontecimentos, mas que não deixe que tudo caia no esquecimento. Nanda, ótimo artigo! Bjs, Luli

     
  • At 8:51 PM, Anonymous Anônimo said…

    Não tenho conhecimento teórico para opinar, mas achei belas suas palavras.

    Só uma coisa que aprendi recentemente que vai de encontro com a idéia de canibalismo associada a barbárie.

    parece que os canibais cominham a carne de seus inimigos como forma de incorporar sua bravura. Ou seja, come-se a carne do outro para se alimentar de suas qualidades.

    Bom, obviamente isso é bárbaro e repugnante, mas pelo menos tem justificativa. Hj em dia, mata-se e come-se sem qq razão.

     
  • At 2:44 AM, Anonymous Anônimo said…

    Burguesia intelectual???
    Está muito difícil encontrar a burguesia intelectual da nossa cidade . Seria a burguesia Intelectual os filhos da PUC que fumam um baseado para esquecer os problemas socias?
    Já se foi o tempo que o Rio tinha uma burguesia intelectual . A nossa burguesia intelectual só quer saber quem é a sileconada que está pegando o Chico .
    O pior é a nossa classe média histérica que basta ocorrer a uma morte de um artista para começar a reclamar das leis, das penas .
    É de fácil notar que toda essa brutalidade já está mais do que anunciada .
    Vamos deixar de construir presídios e começar a construir escolas!

    Abraços Marcos

     
  • At 11:54 AM, Anonymous Anônimo said…

    Nandinha,
    Adorei o seu artigo. Concordo plenamente quando fala da exclusão social. Ser excluído de uma sociedade significa não estar dentro dos direitos e deveres, do certo e errado que ela estipula.
    É realmente uma questão que gera debates, e principalmente reflexões.
    Concordo com o Rafa quando ele fala de questões complicadas como mensurar ação e reação, até que ponto isso ocorre? Bárbaries desse porte...
    Essa sua colocação com a transformação pela sociedade dos homens que nascem maus, de fato me faz refletir...
    Beijo grande
    Tildinha

     
  • At 4:43 PM, Anonymous Anônimo said…

    Nanda,
    Eu diria que contrapondo Rousseau e Vogt você acaba caindo num maniqueísmo perigoso... prefiro pensar que o homem nasce amoral, nem bom e nem mal, pois que mal e bem já são, eles mesmos, valores culturais estruturados em regras e condutas que mudam de uma cultura para outra. O homem nasce "selvagem". Como quer Freud, mobilizado pelas pulsões (que ja é um conceito diferente de instinto por que agrega a idéia do desejo). Ainda para Freud o que garante nossa vida em sociedade, ou seja, o que de alguma maneira freia e organiza essas pulsões é o processo civilizatório onde os tabus impõe os limites para que não sejamos apenas matadores e comedores (com duplo sentido).
    Sua linha de raciocínio segue perfeita quando diz que a exclusão leva á bárbarie pois que é uma exclusão desses processos necessários para criarmos vínculos entre nós, identificação com a alegria e o sofrimento do outro. É isso que freia em nós a bárbarie. É isso que a justiça do Rio Grande do Sul está fazendo com o que chama de "justiça restaurativa" que, com o consentimento do menor preso, passa um vídeo com a vítima e a família da vítima relatando as consequências do crime praticado. Os resultados são surpreendentes quando se consegue, com esse procedimento, restaurar nesse menor, o vínculo, a identificação com o outro. É recolocá-lo na sociedade via afeto e afetação pelo outro. (O artigo está no jornal de domingo pra quem se interessar).
    Só acho perigosa a idéia que li nos coméntários sobre ser a elite intelectual a via de salvação. Não acredito nisso e acho que essa é uma forma bem velada de exclusão. Já existem iniciativas de movimentos que vem de dentro dos grupos excluídos e, geralmente, são as mais bem sucedidas por que vêm de uma demanda verdadeira, identificada com as comunidades de origem e não uma colonização de saberes estrangeiros.
    Só tenho uma coisa a dizer: você está cada vez melhor escritora e pansadora e mobilizando outra pessoas... parabéns de verdade pra você!!!
    Beijos
    Da irmã Rê

     
  • At 2:53 PM, Blogger Aline Rodrigues de Souza said…

    Vivo em área periférica e convivo muito com a falta. Falta de saúde, de cultura, de educação, de cidadania...
    Digo que muitos amigos de infância se foram, quase todos assassinados perante meus olhos, levados pelas drogas e pelas adversidades da vida.
    Os que morreram se deixaram envolver. Eles tiveram escolha sim, pois a sociedade exclui, mas quando a pessoa é boa no seu íntimo, ela não se corrompe. Ela é leal a boa índole que vem no nosso DNA.
    Hoje vemos, não só os excluídos cometendo crimes bárbaros, menina rica que arquiteta a morte dos pais ou que vira assaltante. Elas tbm tinham escolha, mas escolheram o crime, escolheram ouvir seu "mau" instinto.
    Sempre temos escolha.
    A vida tá difícil, emprego tá difícil, mas trabalho, pra quem é honesto e tem disposição não falta.
    Viver dignamente também é uma opção.
    Desculpe-me os erros e se não fui clara o suficiente.
    Acho que te cumprimentei na festa da sua irmã Ana.
    Amei o que escreve, agora que te encontrei, serei leitora assídua.

    Beijos.
    Aline Rodrigues.

     
  • At 1:03 AM, Anonymous Anônimo said…

    achei super interessante,os pontos q vc abordou..
    Só q no meu ponto de vista,as pessoas elas não nascem más,há a falta de oportunidade, educação.
    Concordo q a sociedade corrompe sim um ser humano,pq se fosse só falta de oportunidade pq será q muitos filhos de "papai" estaão no mundo das drogas? no alcoolismo? se prostituindo? Acho q um pouco falta de atenção dos pais, ou até mesmo q os jovens não querem ouvir a voz da conciência,(pois ela fala sempre a verdade), eles estão querendo cada vez mais fugir da realidade...
    Bjuss... mary!

     
  • At 4:37 PM, Anonymous Anônimo said…

    Oi Nanda,esse assunto abordado,tem vários aspectos,mas concordo com Aline Rodrigues que diz; sempre temos escolhas,e depende do que se quer realmente,se não todo pobre e favelado ia ser bandido,e não é isso que se vê,não é mesmo?Tem muita gente que se realiza na vida mesmo vindo de uma condição menos favorável.Gostei muito do jeito que você escreve,faz com que ás pessoas pensem,mostrando que infelizmente estamos muito longe de uma civilização ideal.Beijos, Rejane

     
  • At 4:37 PM, Anonymous Anônimo said…

    Oi Nanda,esse assunto abordado,tem vários aspectos,mas concordo com Aline Rodrigues que diz; sempre temos escolhas,e depende do que se quer realmente,se não todo pobre e favelado ia ser bandido,e não é isso que se vê,não é mesmo?Tem muita gente que se realiza na vida mesmo vindo de uma condição menos favorável.Gostei muito do jeito que você escreve,faz com que ás pessoas pensem,mostrando que infelizmente estamos muito longe de uma civilização ideal.Beijos, Rejane

     
  • At 11:36 AM, Anonymous Anônimo said…

    bla bla bla bala bla bla bla bla bla

     

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