Molhando as Palavras

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quarta-feira, junho 21, 2006

A sétima arte por Julio Bressane


Outro dia chegou-me às mãos uma entrevista do cineasta Julio Bressane que, como sempre, me chamou atenção. Para quem não conhece, Julio é um exemplo raro de profissional da sétima arte. Aquela espécie de dinossauro do ramo que há 40 anos faz o chamado cinema de invenção sem nunca ter desviado de suas pretensões. Isto é, nunca pretendeu nem fez um filme para entretenimento de massa ou folhetinesco. Talvez por isso, seja muito mais premiado e visto no exterior do que aqui. Seu cinema foi, é e sempre será para poucos.
Dos 26 filmes de sua carreira, “Filme de Amor”, é o único que se aproxima deste perfil, ainda que esteticamente muito longe dele. Tal comparação se dá não pela forma, mas pelos resultados e recursos obtidos para a produção. Foi o primeiro do gênero autoral na história do cinema brasileiro financiado por uma grande produtora, o Grupo Novo de Cinema e TV. Também foi o mais caro longa-metragem que Julio rodou em sua carreira. Seu custo beirou o R$ 1,3 milhão, o que não é nada mal para um filme sem o apelo fácil de grande público. Concorreu e ganhou três candangos no Festival de Brasília 2003 (melhor filme, fotografia e trilha sonora). Além disso, foi seu maior lançamento desde “Matou a Família e Foi ao Cinema”, que em 1970 estreou em 14 cinemas.
Mas foi só. Na verdade, enquanto a indústria cinematográfica brasileira deseja cada vez mais se parecer com Hollywood, Julio segue soberano à margem do mercado com seu peculiar modo de filmar. Desde o roteiro, passando pela equipe, elenco, até o modo como dirige, tudo é a lá Bressane. Geralmente, filmes feitos em família, interpretados por amigos ou pelos mesmos atores, e com uma produção justa, sem exageros. São como obras de arte no sentido literal da palavra, pois para ele cinema é imagem e não enredo. “O cinema sofre hoje de uma ausência de observação da imagem, os filmes estão reduzidos a enredos: o sujeito sai de casa, usa roupa assim e assado, trai o marido, volta e depois se mata. O que é único e precioso - a construção das sombras no fotograma - está fora de questão. Há uma dificuldade que é o fato dessa literatura que pensa a imagem ser quase desconhecida em língua portuguesa”. (Folha on Line).
Exatamente por isso suas tramas são quase sempre consideradas ilegíveis, "malucas" ou muito subjetivas. Críticas válidas, embora muitas vezes fruto da ignorância do público, mas que em nada afeta a sua crença do que considera ser cinema. Ao contrário, o torna ainda mais persistente. Não por teimosia ou vaidade, mas por amor à profissão e à arte que escolheu. “Todos os meus filmes me dão muito trabalho, me são muito difíceis. Não sei por que os faço e, se descobrisse, talvez não os fizesse. Faço-os de uma forma intuitiva. O filmar depende muito dos sinais que estão naquele momento em que estou rodando a cena. Por isso, o que vale num filme é a música da luz”.(Folha)
É por essas e outras que nunca sabemos o que esperar de Julio em seu próximo filme. Tudo o que ele não sabe ser é previsível e óbvio. Pois sua criação vem da transcendência e do instante em que está com a câmera na mão. Como ele mesmo disse, um trabalho árduo, penoso, mas que pela paixão incondicional ele não vive sem.
Portanto, se ainda não viu nenhum de seus filmes, procure e assista. Vale a pena. Mesmo que não gostem, é sempre bom termos referências para justamente aprimorar o gosto próprio. Como ele mesmo defende, a diversidade da forma é que possibilita o triunfo da arte. “O cinema pode ser concebido de muitas maneiras. Talvez esteja vivo até hoje por essa razão: não conseguiram triunfar apesar do esforço gigantesco para a adoção de uma fórmula única. O cinema, como sinto, é aquele que se coloca em movimento, que transpassa todas as disciplinas, todas as artes, todas as ciências e também a vida. É um movimento que atravessa tudo isso. Não é a síntese de todas as artes, o que é uma visão primária. Agora, é nessa travessia que o cinema se faz; abrindo-se para outras disciplinas é que se rasga o clichê. A idéia de que a variedade dos filmes está na variedade dos temas, que um só cinema pode ser produzido, é o fim do cinema. É o totalitarismo tomando conta da democracia” (Folha)

FILMOGRAFIA:
1999 - São Jerônimo
1997 - Miramar
1995 - O mandarim
1992 - Oswaldianas
1985 - Brás Cubas
1982 - Tabu
1979 - Cinema inocente
1978 - O gigante da América
1978 - Agonia
1977 - Viola chinesa
1975 - O monstro caraíba
1973 - O rei do baralho
1972 - Lágrima pantera
1971 - Memórias de um estrangulador de loiras
1971 - Amor louco
1971 - A fada do Oriente
1970 - Cuidado, madame
1970 - Barão Olavo, o horrível
1970 - A família do barulho
1969 - O anjo nasceu
1968 - Cara a cara