Molhando as Palavras

Blog de curiosidades, opinião, crônicas e afins.

quinta-feira, junho 01, 2006

O lado de lá

Sou uma carioca da gema. Carioca mesmo, daquelas que puxa o x, vai a praia com freqüência, se locomove de bicicleta, freqüenta rodas de samba (seja em Cacique de Ramos ou Copacabana) e adora um boteco com cerveja gelada. Mas descobri que conheço muito pouco a minha cidade. Ou o lado obscuro dela, ou o lado que prefiro não ver. Falo das favelas mesmo, da sua dura realidade, dos meninos de rua, enfim, de todo este cenário que presenciamos hoje. Digo isso, pois diante de tantas barbáries no jornal me lembrei do livro “Abuzado”, de Caco Barcello, que com extrema coragem e competência relata detalhadamente a vida na favela.
Para alguns, a história pode ter soado um pouco romântica demais, no sentido da humanização do personagem, que todos devem saber, é o Marcinho VP. Humanizando ou não, sendo romântico ou não, o fato é que o livro revela os bastidores desse mundo paralelo como nenhum outro até agora. É incrível constatar como as leis são outras, os juízos e valores têm outro peso e medida. Lá, é realmente a lei da bala. Vacilou, é tiro. Quebrou com a palavra, vai pro tronco. Deu “cagaço” na hora de dar o tiro, morreu com a arma na mão. Lá, não tem lero, lero, ou segunda chance. Tem que ser tudo de primeira, se não vira inimigo e alvo. É o tal olho por olho, dente por dente. E me desculpem o pessimismo, acho que não há mais nada que possamos fazer para mudar isso.
O que mais me assusta é ver como esses dois mundos convivem tão próximos e vivem de maneiras tão diferentes. Lá, uma guerra pode acontecer a qualquer momento. Enquanto isso, o maior traficante do Rio pode estar ao seu lado, na praia ou no shopping e você nem saberá. Ao mesmo tempo, este mesmo maior traficante do Rio que movimenta sabe lá quantos dólares por mês, dorme em esgotos, no meio do mato, com medo do próximo tiro. É um poder subjetivo. Uma riqueza sem qualquer conforto. Apenas um status de super herói que na falta de todo o resto funciona como a salvação. Melhor ser rei no morro do que em lugar nenhum.
Pior ainda é constatar que nossa policia é tão bandida quanto. Realmente, estamos de mãos atadas, ou melhor, na mão deles. Nós (a minoria rica privilegiada) somos apenas coadjuvantes nesta trama. Obedecemos, assistimos. Ou melhor, fechamos os vidros dos carros, trancamos nossas casas, nos cercamos de muros e fechamos os olhos. Até chegar o dia em que não teremos mais casas pra morar e nem carros para dirigir. Porque tudo será deles!
É o lado de lá. Aquele que foi abandonado, mas todo dia faz algo para nunca ser esquecido. Foi a única condição que nos impuseram: podemos não ter nada, mas vocês também não terão tudo. Nem mesmo paz. E assim a vida continua na cidade maravilhosa...