Molhando as Palavras

Blog de curiosidades, opinião, crônicas e afins.

sexta-feira, junho 16, 2006

As descobertas de um marinheiro de primeira viagem


Apenas quem trabalha no centro da cidade sabe o que é o centro da cidade. São raras as pessoas que vão ao centro se não for por este motivo. A não ser em época de carnaval, porque pra se divertir o carioca vai a qualquer lugar. Acredito que os turistas conheçam mais esta parte da cidade do que os próprios moradores. Na verdade, centro é sinônimo de caos. Ainda mais para quem mora na Zona Sul, de frente pra praia, ou numa casa com piscina cercada de passarinhos. Pode ter certeza que uma única ida é capaz de mudar a vida de um ser humano.
Foi mais ou menos o que aconteceu com um amigo. Morador do Itanhangá há um ano sem trabalhar, ele teve que ir ao centro comprar alguma coisa que só encontraria ali. Dizer nomes de rua, direções era tentativa em vão. Não dá pra tentar orientar um estreante quando se está perdido em plena Cinelândia, um dos pontos mais conhecidos da cidade. Eu juro que tentei. Mas no fim já estávamos gritando um com o outro, até que ele disse que se virava sozinho e não era pra me preocupar.
Também tentei, mas não consegui. Graças a Deus ele ligou depois de meia hora para almoçarmos juntos. Disse que já havia rodado tudo e em dez minutos estaria de volta. O tempo se esgotou e resolvi ligar. A única coisa que ele falou foi “Peraí, já te ligo que eu to apostando aqui”, e tu, tu, tu na minha cara. Fiquei sem entender. Apostando? Será que no caminho ele resolveu jogar na loto? Tive que esperar pra saber.
Quando nos encontramos ele estava soando em bicas e com uma cara de desolado. Perguntei o que tinha acontecido e ele disse que perdeu tudo por minha causa. “Pô, eu tava lá há horas só sacando o cara. Acertei todas as vezes. Quando resolvi apostar, errei porque você ligou bem na hora”, disse ainda sem poder acreditar. Na verdade, quem não acreditou fui eu. O sujeito cai nas mãos de um desses clássicos caça-níqueis do centro da cidade e depois reclama comigo?! Não dá! Foi uma daquelas brincadeiras de embaralhar os copos para a pessoa adivinhar depois em qual deles a bolinha está. Ele errou. E disse que por minha causa. “Já tinha apontado o copo, mas na hora o telefone tocou, e no segundo que desviei o rosto para atender ele mudou de lugar". Quer dizer, o cara roubou e ainda sim quem leva a culpa sou eu.
Mas esse não foi seu único desafio. Havia outro, segundo ele, impossível: duas garrafas em pé lado a lado separadas por uma pequena distância. O objetivo é derrubá-las num único lance, como no boliche. Ele tentou, mas o tiro saiu pela culatra. Perdeu mais uma (pelo menos essa eu não atrapalhei). “Era muito difícil. Só uma pessoa conseguiu derrubar”, contou impressionado. Outra novidade que o deixou intrigadíssimo foi um alto-falante instalado no meio da rua tocando piadas. “É muito engraçado. Fica um monte de Zés lá olhando para um aparelho de som, rindo das piadas mais sem graça, deixando o tempo passar”, comentou às gargalhadas.
Ouvindo ele me contar maravilhado de sua experiência percebi que o cotidiano pode facilmente se tornar uma novidade. Depende apenas do olhar. A maioria das pessoas está sempre tão apressada que nem repara o que acontece em volta. Quer dizer, muitas vezes deixamos de nos surpreender com coisas corriqueiras exatamente por que nos parecem corriqueiras.
E no fundo, ele é que está certo. Tudo isso é fantástico. São peculiaridades de nosso povo. Cenas que possivelmente você não verá em qualquer outro lugar do mundo. É o dia a dia da nossa cidade lutando contra a fugacidade do tempo. O lugar onde tudo acontece muito rápido e ao mesmo tempo. Para ele, foi como um "parque de diversão". E pode ser se quiser. Basta mudar o foco e tentar olhar o amanhã realmente como um novo dia.

2 Comments:

  • At 5:55 AM, Anonymous Anônimo said…

    Nanda,
    seu blog esta' demais!!!!
    Meus parabens...os textos estao maravilhosos.
    Fico emocionada com todos eles...seja rindo ou chorando.
    Consigo imaginar voce direitinho expressando suas emocoes ao escreve-los.
    E esse, em particular, achei bem autentico. Isso e' bem verdade.
    I am very proud to be your friend!!
    Vai fernandinha!!!!!
    Lots of love,
    Sharon

     
  • At 5:12 PM, Anonymous Anônimo said…

    Muito bom, Fernanda. Esta crônica pode ser publicada em qualquer jornal. A verdade é esta mesmo: tudo é uma questão de olhar, de saber olhar e se admirar. Abçs. Gerot

     

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