Molhando as Palavras

Blog de curiosidades, opinião, crônicas e afins.

quarta-feira, julho 05, 2006

Não sei quem é pior irmã mais velha ou o diabo

Irmã mais velha quando quer ser má consegue ser pior do que o diabo. Minto, é o próprio encarnado a sua imagem e semelhança. Para meu desespero, nasci a caçula de uma leva de quatro mulheres. Quer dizer, tenho três demônios acima de mim. Entre todas elas, sem dúvida, a primogênita, Bruna, é a pior. Afinal, ela é a primeira, não há ninguém acima dela. Para os psicólogos, esse traço de sarcasmo é facilmente explicado pela perda de espaço. Ou seja, de filha única ela passou a ser mais uma. E já que nós crowdiamos o pico dela, temos que sofrer algumas conseqüências.
Relembrando os fatos mais marcantes, aqueles que ficam como trauma para o resto da vida, chego a conclusão de que Bruna era má, mas com muita criatividade. Sua perversidade não se limitava a puxões de cabelo, beliscões ou tapas, como sugere a lei natural da força. O terror era psicológico. Hoje, que somos mulheres crescidas, e esses conflitos freudianos foram superados (supostamente), conseguimos analisar mais friamente cada episódio. Até nos damos a liberdade de rir deles. Ao contrário do momento em que aconteceram.
O primeiro foi com a Helô, a terceira da fila. Quem conhece nossa família sabe que ela é bem diferente de nós. Foi a única que nasceu de olhos castanhos (que azar), cabelo liso e bunduda (ehehh). Nós seguimos uma linhagem afro-européia (acabei de inventar): louras, olhos verdes e cabelo sarará. Por isso, a dúvida quanto ao seu parentesco foi sempre duvidosa (agora quem está sendo má sou eu).
Claro que tudo não passava de brincadeira. Até que a Bruna resolveu transformar o "causo" em coisa séria. No dia do aniversário de sete anos da pobre, ela levou a Helô para o quarto e disse que precisava ter uma conversa muito séria com ela. Sentou-a na cama, segurou sua mão e disse olhando bem no fundo dos olhos dela: “Agora que você já está grande e tem maturidade suficiente para saber toda a verdade, o papai pediu pra eu contar pra você. Você é adotada. Eles te encontraram na lata do lixo e te trouxeram para casa”.
Eu não estava lá para ver, mas acredito que a cara da Helô deve ter ficado branca. Não demorou muito e ela abriu o berreiro, óbvio. “É mentira”, gritava. E chorava, chorava, desesperada. Até que o sofrimento se transformou em ódio e Helô não pensou duas vezes. Saiu correndo até a cozinha, pegou uma faca e voltou para matar a Bruna. (acreditem, isso aconteceu na minha casa). “Eu vou te matar, sua mentirosa”. E vocês pensam que a Bruna se deu por medrosa? Nada. Continuou repetindo a história e chamando a pobre de louca. Agora vejam o requinte de crueldade desta irmã! No fim, acho que tudo acabou em castigo.
Comigo o terror foi mais impessoal. Era um dia normal como todos os outros. Já era noite. Nós morávamos numa casa grande, de quatro quartos, num condomínio bem silencioso. Eu devia ter no máximo quatro anos de idade quando a Bruna, que já tinha seus 13, entrou no meu quarto, trancou a porta e guardou a chave. Pegou uma tesoura e fingiu se matar. Caiu estatelada entre a minha cama (que eu estava deitada) e a porta. Meu primeiro impulso foi tentar sair do quarto. Mas quando fui passar, ela me impediu levantando o braço com a tesoura apontada para cima. Eu comecei a chorar. Ela apagou a luz. Eu corri para trás de um cesto de brinquedos que tinha no canto do quarto e fiquei encolhida chorando baixinho. Enquanto isso, ela ficava arrastando a tesoura no chão. Só dava para ouvir o meu soluço e o barulho de crac, crac, crac, crac. Quando já não tinha mais lágrima (devia estar uns dez minutos encolhida sem me mover), acho que ela cansou. Simplesmente levantou e saiu do quarto sem dizer nada.
E assim eu me salvei. Porque me curar mesmo, só foi possível depois que a quinta filha nasceu. Para minha sorte meu pai se casou novamente e teve a Pri. Era a minha chance de ser a mais velha e descontar tudo o que havia sofrido em 10 anos de caçula. Costumávamos passar as férias em Angra. Sem nada pra fazer e tendo aprendido muito bem a lição, minha diversão favorita era maltratar a nova caçulinha.
Lembro-me de um dia que o papai saiu de barco e eu fiquei com a Pri. Num certo momento ela começou a chorar, e queria porque queria encontrar com eles. Cortei logo. “Pri, o papai e a sua mãe foram embora pro Rio e te deixaram aí. Você vai ficar sozinha comigo. Nunca mais eles vão vir te buscar”. A coitadinha chorava sem parar e eu fingindo ser muito boa, dizendo que ia cuidar dela, aquelas coisas. Fomos para o quarto do hotel. Pra piorar tranquei-a no quarto e saí. (ahahhahah, foi divertido). Mas eu não era tão perversa quanto a Bruna. Na verdade, só deixei ela chorar um pouquinho. Fiquei escutando atrás da porta e quando percebi o desespero dela desisti da maldade e passamos o resto da noite brincando.
Acho que a única que não caiu nas maldades da Bruna foi a Bia devido à proximidade de idades. Sei que elas brigavam muito, mas era de igual pra igual. Ou se não me engano a Bia ganhava a briga. Eu, particularmente acho isso ótimo. Pelo menos a Bruna não ficou impune diante de tantas maldades. Coincidência ou não, adivinhem qual a profissão dela atualmente? Psicóloga. Especializada em quê? Crianças (é ou não é muita bandeira?).

ps: as histórias são verídicas, mas os nomes são fictícios para preservar a identidade/privacidade de minhas irmãs.