Molhando as Palavras

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segunda-feira, julho 17, 2006

A porta

No caminho há uma porta. Há uma porta no caminho. Há mais ou menos um mês é assim no percurso da minha mesa de trabalho para o banheiro. A porta, que antes ficava permanentemente aberta, por algum motivo fechou, e não sei porque ninguém nunca mais a abriu. Deixe-me explicar melhor. A porta de entrada do banheiro é como uma janela. O vidro foi arrancado. No lugar, ficou um buraco enorme por onde todos agora passam. Só que não dá para transpassá-la totalmente. É preciso levantar o pé bem alto para não tropeçar na moldura de madeira que ali ficou.
A primeira vez que me deparei com esta cena, cruzei com uma pessoa saindo do banheiro. Olhei a porta de cima a baixo e pensei: porque será que ao invés de pular a porta ninguém tenta abri-la? Logo veio a resposta. Uma outra mulher passou por mim rindo, dizendo que achava muito engraçado ter que pular a porta, mas que ela preferia saltar a ter que fazer força. Não achei nada normal. Quando foi a minha vez de passar, abri a porta. De fato ela é bem pesada e o dispositivo que a mantém aberta não funciona mais. Resultado, agora todo mundo pula a porta ao invés de abri-la.
Confesso que não me acostumei com a situação. Toda a vez que tinha que ir ao banheiro pulava a porta meio contrariada. Até perceber que esta é uma boa ilustração da personalidade do brasileiro diante dos problemas. A primeira alternativa é sempre driblá-los, ignorá-los por assim dizer. É o tal jeitinho brasileiro. Para tudo há uma alternativa por mais amadora que seja. Até que chega a hora que improviso nenhum dá jeito. E então já é tarde demais para solucionar o problema.
Basta olhar a nossa política, as nossas escolas, o sistema de saúde do país. Basta ver as ruas cheias de meninos ociosos e improdutivos morrendo de fome. Tudo é reflexo da nossa apatia diante da tragédia. Vemos, nos intrigamos, nos questionamos, mas não agimos. E ao invés de eliminar o obstáculo, passamos a nos acostumar com ele, tornando-o parte da nossa vida. Apenas mais um problema entre tantos outros.
É como se velássemos os olhos na esperança de que um dia tudo melhore por si só, como num passe de mágica. É como se a crise fosse alheia a vida de cada um. É como se o bem maior, o bem de uma nação, se reduzisse ao nosso próprio umbigo. O ser humano perdeu a capacidade de olhar em volta. Só consegue enxergar aquilo que lhe compete: a sua profissão, a sua casa e a sua família. Se tudo estiver certo, o resto pouco importa.
Triste engano. Pois ninguém vive sozinho. Vivemos em sociedade e diariamente somos obrigados a conviver com as mazelas deste povo. Mazelas também fruto da nossa própria inércia. Reclamamos, reclamamos, reclamamos. Mas o que de fato fazemos para mudar o que incomoda? Poucos agem. Muitos discursam. Em época de eleição a frase mais ouvida é "nós vamos fazer", "nós vamos criar", "nós vamos investir", "nós vamos prender". Nós vamos nada!!! Na hora de fazer, a ação vira demagogia.
Hoje, deve fazer um mês que a porta do banheiro está quebrada. Todos os dias, centenas de mulheres passam por ela e ignoram o seu estado. Agora, a madeira está se deteriorando e deixando farpas pelo caminho. A borracha onde o vidro ficava preso se descolou e está pendurada atrapalhando a passagem. Pergunta se alguém reclamou? Pergunta se alguém pediu para consertá-la? Ninguém. Só eu que ainda tive que ouvir do funcionário a resposta: "Ihhh, esquece. Você vai morrer e essa porta vai continuar assim". Bem capaz. Eu só espero estar viva pra conseguir mudar alguma coisa.

1 Comments:

  • At 2:59 PM, Blogger Renan Oliveira said…

    Também, quem manda nascer mulher. No masculino não tem dessas...
    Mas falando sério, é impressionante como brasileiro deixa tudo rolar mesmo né. Só move uma palha quando não tem jeito mesmo. Aí depois ainda vem reclamando.
    Bjos

     

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